sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Coisas que aprendi sendo pastor (Por Pr. Brian Kibuuka)

O texto a seguir foi postado pelo Pr. Brian Kibuuka no Twitter, no dia 17 de setembro de 2021 e entendo como muito necessário à nossa análise, como cristãos e cidadãos. Para ver a postagem original, clicar aqui.

Coisas que aprendi sendo pastor

1) Há hospitais que tratam suicidas como culpados e profissionais de saúde que tratam suicidas com desprezo.

Havia um membro na primeira igreja que pastoreei que teve problemas com drogas. Desesperado por causa do vício, ele tomou chumbinho e acabou no Hospital de Marechal Hermes. Havia uma enfermeira na igreja e ela disse claramente:

- "Ele não queria morrer? A gente vai tratar ele o pior que puder."

Desde então, descobri que toda a misericórdia que eu ensinava na igreja tinha alcance menor do que a cultura que vigorava institucionalmente e que provocava abusos contra suicidas sob a lógica de que, diante de tantos que querem viver, suicidas estão ocupando inutilmente hospitais.


2) Há policiais que justificam seus crimes a partir da ideia geral de heroísmo e compensação.

Antes do bolsonarismo vingar, pastoreei em Campo Grande e conheci os efeitos do que se vê no Brasil todo 5 anos antes. Havia 18 policiais na igreja, entre membros e pessoas próximas.

De um lado, vi o risco de vida que eles corriam, as prisões, as ameaças dos bandidos que eram soltos em seguida à sua prisão e a sensação de que eles estavam enxugando gelo. De outro lado, vi com os milicianos da igreja (policiais, tá?) que eles tinham uma moral estrita com as filhas, uma justificativa plausível para agredir (com coronhadas até) as esposas, um discurso pro-família e costumes, ao mesmo tempo em que tinham orgias todas as sextas, mantinham prostíbulos (whiskerias), assassinavam rivais e mantinham negócios ilegais. E já havia uma rede de proteção dos policiais bandidos. Eles cometiam crimes e a forma como seus crimes aconteciam e eram noticiados passavam pelos filtros da imprensa - que maquiava os crimes. Foi nessa época, lá em Campo Grande, Rio, que passei a ouvir antes de muita gente o recurso ao conceito de "cidadão de bem".


3) O desejo inconfessado da maioria dos políticos que conheci bem de perto era enriquecer e ter oportunidades de negócios.

Eu lecionei em um seminário para um "assessor" que desejava muito ascender politicamente e esperava sua oportunidade. Ele conseguiu algumas homenagens. Uma delas, para um pastor do Rio. Era assim que esses políticos articulavam apoio, lidando com a vaidade de líderes que tinham, nas palavras desse meu aluno, "muita gente na mão". Eu mesmo recebi uma homenagem - claro, eu a rejeitei, mas me deram assim mesmo.



5) Eu dei aula nos seminários e nunca pude dar nota. Porque via de regra, na minha experiência, os alunos estavam acostumados a serem ensinados sem muita qualidade, e só funcionava de ter engajamento quando a linguagem era a do poder, que só podia ser usada por professores brancos. Um preto que acha que sabe e que cobra na sala, mas dá dez porque não é meritocrático, é uma anomalia no sistema. Enfim: os alunos e alunas já reproduzem a tendência a mentir e manipular, falseando piedade e santidade que caracteriza os pastores já estabelecidos, e exercitam isso quando sabem que a violência que cometerão não gerará efeitos porque o corpo ofendido é negro. Então, para contar um episódio, eu chegava na hora, preparava as aulas, atendia como monitor pra explicar. Aí, os alunos não estudavam (a ideia era passar, para muitos), marcavam comigo atendimento e atrasavam, e não consideravam que a nota seria dez mesmo... Quando perceberam que o sistema me via como anomalia, passaram a desrespeitar.

Como o seminário, para economizar, fazia um calendário (e eu me planejava para seguir, planejando o conteúdo), e depois emendava os feriados todos (tinha um feriado quinta, a aula era suspensa quarta, quinta e sexta) - e isso pra economizar comida no refeitório, servida pra alunos que pagavam... eu combinei com a turma para compensar as aulas nos intervalos. Tinha uma turma que ia se formar, que fazia cantina no intervalo pra ter dinheiro pra formatura. Eles, percebendo que eu dava aula e isso atrapalhava seus lucros, passaram a gritar nos corredores: "Cantina"! Depois, gritavam na janela da minha sala. Depois, com o aval da diretoria, passaram a gritar MEU nome. Quando chegou nesse ponto, fui lá falar e eles disseram pra resolver comigo na direção. Já era acordo pra me demitir.

Eu, experiente e sabendo disso, já tinha combinado com a turma das aulas e eles já tinham notado os movimentos de desrespeito. Na semana seguinte, quando saí da aula, o diretor enviou um professor para falar com a turma. A ideia era me enquadrar como maluco e destemperado.

Ao descobrir, o cupincha, que eu sofrera desrespeito, com gente gritando na janela da minha sala, semana após semana, e depois meu nome, eles fizeram o caso morrer. Porque o desfecho tinha que ser me enquadrar. E todo mundo lucraria:

Os professores que atrasavam e não preparavam aula. Os alunos, que queriam atrasar e passar. A direção, ocupada por um pastor ignorante e inapto, que não sabe a diferença entre Bultmann e Buttman.


6) A capacidade de caluniar no nome de Deus. No começo do governo Bolsonaro, esse mesmo seminário me chamou para dar conferências - já não estava mais lá como professor. Foi iniciativa de um aluno de uma turma.

Então, no dia em que fui, um professor, que também é pastor, que dá aulas há trinta anos com o mesmo papel escrito à mão e que vive as custas da igreja há décadas, só difamando e manipulando a política eclesiástica, ficou cercando os alunos, dizendo: "Não vá lá ouvir Brian, ele é herege". É que na cabeça de fundamentalista desonesto, todo inteligente e dedicado é herege, e isso cola. Na conferência, que foi sobre Jesus, o reitor ignorante do meu lado, me perguntam sobre Bolsonaro e a política de armas, pensando que eu iria dizer que ele não deveria cumprir a promessa de campanha. Eu respondi que sou contra armar a população, mas que se ele foi eleito com essa proposta, seria estranho ele não tentar cumpri-la, e que quem votou nele, votou para que ele cumprisse suas promessas. O diretor, que sempre me tratou com desdém - coisa típica de religioso conservador branco político e dependente do dinheiro que vem de igreja - bateu na minha perna, deu um sorriso e disse: "Muito bom!" Depois, fui na sala dos professores tomar café e o professor que dizia há pouco que não era para me ouvir porque eu era herege estava lá, todo sorridente, falando comigo, servindo café pra mim - não porque ele me ouviu, mas porque ele é falso mesmo. E ele perguntou sobre minhas aulas na universidade e falou que tinha um ex-aluno do seminário que era aluno da Universidade... do meu curso... e já engatou dizendo que ele desviou e que era uma vergonha. Mas esse aluno, meu orientando, é uma pessoa maravilhosa, querida por todos... e eu disse: "Conheço. Ele é maravilhoso, é meu orientando..."


7) Voltando ao Rio, lá conheci as vísceras do que se tornou bolsonarismo evangélico antes dele se expandir: convenções com financiamento e pronunciamento de políticos, discurso de defesa da família por gente que tinha cinco e sempre assediava as jovenzinhas ou jovenzinhos... um discurso moral, que era acompanhado de desvios de grana... apelo à doutrina, mas reuniões a portas fechadas falando da necessidade de promover expansão em bairros de gente com grana... intervenções em igrejas para manipular transições pastorais; acordos com autoridades policiais para estacionar os carros da igreja na rua sem muita utilização do dinheiro de convenções para viagens e hospedagens com grande parte do tempo utilizado para turismo, personalismo, com propaganda pessoal de líderes como veículo para mobilizar ofertas.

E o progressismo dos não engajados fazendo o mesmo, só que com o agravante de justificar os BOs por meio de uma doutrina que justificasse as suas ações.

E pra encerrar, porque isso é só um fragmento, todas as vezes que alguém mostra essas vísceras podres, aparece alguém pra dizer que isso deve se resolver internamente, ou que não se deve expor a igreja de Cristo, ou algo do tipo.

Eu respondo: tem muito mais. E só vai parar se a gente parar de esconder que a igreja evangélica precisa de reforma, e resetar a parada toda. Aperto de mãos por hoje, tá bom. Faltam uns 300 casos, mas vamos aos poucos...


Pastor Brian Gordon Lutalo Kibuuka

Professor de História Antiga e Medieval da Universidade Estadual de Feira de Santana. Doutorando em História Social na Universidade Federal Fluminense. Mestre em História Social pela Universidade Federal Fluminense (2012), Mestre em Letras Clássicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013), Graduado em Letras (Português e Grego Clássico) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013), Graduado em Teologia pela Universidade Metodista de São Paulo (2009). Membro do Grupo de Pesquisa NEREIDA (Núcleo de Estudos de Representações e de Imagens da Antiguidade) e do Projeto Eurykleia - ANHIMA/Paris. Bolsista do CNPQ. Tem experiência na área de História Antiga, Literaturas da Antiguidade e Letras Clássicas (grego, latim, hebraico e línguas copta), atuando principalmente nos seguintes temas: gênero, violência e discurso na Antiguidade, especialmente no Teatro Grego e no Novo Testamento.